O que é sustentabilidade e qual sua relação com a gastronomia?

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Não é de hoje que o termo sustentabilidade vem sendo usado de um jeito incompleto. Chamar qualquer coisa eco-friendly/ecológica de sustentável é uma mania publicitária que vem de décadas.

Como a sustentabilidade é um conceito que já é bem relevante (e tende a ser mais ainda, com o tempo) no universo da gastronomia e da nutrição, o ideal é entendermos o assunto pela base.

Ou seja, entender o que é o conceito de sustentabilidade e sobre o quê ele trata.

  • Mas o que sustentabilidade quer dizer?
  • De onde surgiu essa ideia?
  • Qual é a diferença entre sustentabilidade e ecologia?
  • E o que a sustentabilidade tem a ver com o universo da alimentação.

O que é sustentabilidade


O conceito de sustentabilidade fica implícito já na própria forma da palavra: sustentar.

A mesma palavra encontra sinônimos mais conhecidos: apoiar, conservar e manter em equilíbrio. Ela abraça diversos segmentos e camadas da vivência humana, entre elas a de criação de novos negócios e uma economia sólida. Ou seja: o desenvolvimento econômico.

Repare que não estamos falando de simplesmente preservar, a qualquer custo, o meio ambiente. Não estamos falando de abraçar árvores enquanto passamos fome e muito menos de um sistema político que se opõe ao lucro. Mas falamos de reconhecer que nós precisamos consumir recursos da natureza, mas ela é limitada e precisa ser cuidada.

O desenvolvimento sustentável nada mais é que uma filosofia de como propor e coordenar novos negócios, equilibrando:

  • viabilidade econômica (negócios que funcionam);
  • responsabilidade social (garantir o bem-estar e dignididade para as pessoas envolvidas);
  • e o pilar mais conhecido, o da conservação do meio ambiente.

O desenvolvimento sustentável não ignora a demanda pela criação de negócios viáveis, que funcionem e gerem lucro. Porém propõe que isso seja feito de forma inovadora, reconhecendo que os recursos naturais são limitados e precisamos planejar nossos processos de longo prazo.

Do contrário, vamos fazer lucro no hoje ‘queimando’ as chances de sobrevivência das próximas gerações.

De onde veio o conceito de sustentabilidade?                      

A ideia de consumir com responsabilidade os recursos da natureza, tirando apenas o necessário e ajudando a renová-los, não é fruto da modernidade. Aliás, mora certa arrogância em acreditar que povos antigos — sejam os indigenas das américas, os asiáticos ou os europeus — não pensavam na importância desta harmonia.

O maior problema é que (ao menos até alguns séculos atrás) a humanidade não tinha a mesma capacidade de produção que tem hoje. Logo, não extraía tantos recursos naturais quanto hoje.

Não é uma questão de quando a sustentabilidade foi inventada, mas de como aprender sobre ela ela nunca foi tão necessária quanto é hoje.

A revolução industrial, guerras de escala mundial, o aumento na velocidade no processamento de informações e a própria busca por crescimento econômico contínuo (pilar do capitalismo) foram apenas algumas das novidades que sugiram nos últimos 300 anos. Apesar de recentes, forçaram a humanidade a chegar em um ponto em que extraímos mais recursos da natureza do que ela é capaz de repor.

Desenvolvimento sustentável, em algum momento da nossa história, deixou de ser parte natural de como fazemos as coisas. Mas a maneira de como fazíamos as coisas no passado também não atende as demandas das nossas gerações. Então como equilibrar isso tudo?

É nessa questão que cientistas, políticos e até chefs de cozinha tem se debruçado com cada mais vez mais vontade.

O dia da sobrecarga

A World Wide Fund for Nature (WWF) e a Global Footprint Network são duas ONGs que, juntas, desenvolveram uma espécie de método para avaliar a contabilidade ambiental do planeta Terra.

Chamado de ‘Pegada Ecológica’, o método basicamente envolve avaliar quantos recursos naturais consumimos e comparar com a capacidade da natureza de se regenerar dentro daquele mesmo ano. Se nós consumimos mais do que a natureza é capaz de recuperar naquele ano, significa que sobrecarregamos o sistema.

É ficar em dívida com a natureza, em outras palavras.

E quer saber como temos nos saídos anos a ano? Nada bem:

  • Nos anos 1970, o Dia da Sobrecarga acontecia em dezembro;
  • Nos anos 1980, já acontecia um mês antes (em novembro);
  • Nos anos 1990 passamos a consumir o que podíamos do planeta sem sobrecarrega-lo em setembro
  • Nos anos 2000? Isso já acontecia em agosto.

Apesar de, em 2019, termos chegado ao dia da sobrecarga em julho, conseguimos nos manter (ao menos até o ano passado) dentro da faixa de agosto. Mas a expectativa é que retomemos a julho em 2024.

É um indicador do quanto estamos fracassando, enquanto humanidade, na nossa busca por equilíbrio com a natureza.

A origem do termo meeeesmo se deve aos alemães, em especial ao Capitão Hans Carl von Carlowitz. Esse aristocrata de nome pomposo era um magnata do ramo da mineração do século XVIII.

Ele pressentiu o perigo e o caos oriundo do corte desenfreado de árvore para produzir carvão e, junto de outros de seu tempo, propunham um sistema de rodízio em que você preservava mais partes da floresta do que você cortava. Era a chamada silvicultura SUSTENTADA.

Apesar de parecer uma informação irrelevante, eu acho curioso que um dos primeiros registros escritos sobre sustentabilidade tenha sido feito por pessoas que derrubavam árvores e não por um ambientalista ou um hippie.

Hans Carl von Carlowitz e um dos primeiros registros sobre sustentabilidade da história
Capitão Hans Carl von Carlowitz

Na realidade o debate sobre sustentabilidade ganhou corpo na década de 1950 por um motivo mais tenebroso: bombas atômicas.

Muitas delas já haviam sido detonadas mundo afora. Hiroshima e Nagazaki foram utilizadas de maneira letal, porém um número muito maior foi de dispositivos nucleares foram detonados mundo a fora em testes e demonstrações de poder bélico (principalmente pelos EUA e a URSS).

Havia uma preocupação forte sobre os danos aos ecossistemas causados pelos resíduos nucleares e pelo perigo iminente do planeta inteiro ir pelos ares em uma guerra nuclear ou teste mal-conduzido. Preservação de meio ambiente ia de encontro a um tratado geral pela paz.

A questão (sobre preservação do meio ambiente) ganhou contornos mais domésticos com a publicação de um livro chamado Silent Spring, que denunciava os danos do uso de pesticidas, e uma série de casos de contaminação de ar, solo e rios por indústrias.

Até então, pouco se pensava na produção de comida como uma vilã na proteção do meio ambiente.

A evolução do tema

A forma da sustentabilidade envolvendo os três pilares que já mencionamos (social, ambiental e econômico), foi nascer como conceito em 1984. E surgiu como parte do relatório das discussões que aconteceram em uma importante comissão mundial sobre meio ambiente.

Você provavelmente vai ouvir falar desse documento como ‘relatório de Brundtland’. O nome veio por conta da primeira-ministra da Noruega à época, que foi a relatora e líder da comissão: Gro Harlem Brundtland.

De 1984 para cá, muitas coisas andaram em passos de tartaruga e outras deram saltos quânticos.

A sustentabilidade é uma pauta que anda com mais ou menos pressa entre os líderes e profissionais, a depender do segmento e do país. E é implantada através de diferentes ferramentas.

Entre elas está a métrica ESG ( Environmental, Social and Governance), uma forma de medir o desempenho das empresas em relação a esses três aspectos e tem funcionado como direcionador no mercado de ações e investimentos. Iremos falar com mais calma e detalhes sobre como funciona em ESG em outro artigo!

Qual é a diferença entre sustentabilidade e ecologia?

Muitas vezes, as pessoas usam os termos sustentabilidade e ecologia como se fossem a mesma coisa, mas eles têm significados diferentes.

A ecologia é uma ciência que estuda as relações entre os seres vivos e o meio ambiente, tentando entender os processos e as dinâmicas dos ecossistemas.

Ela também se preocupa com os impactos das atividades humanas sobre a natureza, e propõe formas de diminuir ou compensar esses efeitos. É uma fonte de conhecimento e de orientação para a sustentabilidade, mas não podemos confundir com ela.

A sustentabilidade abraça mais que a dimensão ambiental, mas também as dimensões social e econômica, equilibrando as necessidades e os interesses das pessoas com a preservação dos recursos naturais. É uma mudança de valores, de comportamentos e de práticas.

Como a sustentabilidade e a gastronomia se conectam?

A gastronomia é uma atividade que envolve a arte, a cultura, a ciência e a técnica de preparar e servir alimentos.

A gastronomia também é uma forma de expressão da identidade, da diversidade e da criatividade dos povos. Sendo assim, é difícil ignorar os aspectos sociais e ambientais que estão relacionados à produção, ao consumo e ao desperdício.

Existem diversas iniciativas que buscam conectar a gastronomia com a sustentabilidade, tanto no âmbito local quanto no global.

Uma das principais, a nivel internacional, é o movimento Slow Food. Surgiu na Itália em 1986 e defende uma alimentação boa, limpa e justa, valorizando os produtos locais, a biodiversidade, a cultura alimentar e os direitos dos produtores e dos consumidores.

No Brasil, podemos citar o projeto Gastromotiva, idealizado pelo chef brasileiro David Hertz em 2006, que utiliza a gastronomia como uma ferramenta de transformação social, oferecendo cursos de capacitação profissional, de educação alimentar e de empreendedorismo para jovens de baixa renda, além de promover ações de combate à fome, à desnutrição e ao desperdício de alimentos.

Mas diversos outros chefs de cozinha, como Helena Rizzo, Alex Atala e Janaína Rueda possuem seus próprios projetos para produção de alimentos sustentáveis. A maior parte vem de parceirias com pequenos produtores que produzem alimentos orgânicos, com cultivos que fogem da norma da monocultura e que preservam tradições.

E estes são apenas alguns exemplos de como a sustentabilidade é explorada através da gastronomia.

Um assunto em constante expansão

Essa intersecção entre gastronomia e sustentabilidade nem de longe fica nestes exemplos que citamos. Ela acontece em cada uma das fases de produção, preparo e entrega de alimentos à mesa de um cliente.

Ela está no combate ao desperdício, na forma como estabelecemos cadeias de fornecimento, em quais ingredientes escolhemos trabalhar, na relação com a cultura local e em como usamos inovações tecnológicas na cozinha.

O assunto é tão amplo que decidi preparar uma série de artigos sobre sustentabilidade, com dezenas de conteúdos sobre o assunto — abordando dos conceitos teóricos mais básicos a como grandes chefs e nutricionistas estão aplicando-os no universo da gastronomia.

Se despertei seu interesse, recomendo muito que você clique no sino vermelho aqui embaixo e garanta que te enviemos uma notificação (no celular ou no seu navegador) sempre que um conteúdo novo for publicado.

Para encerrar, deixo um video que acho muito ilustrativo sobre esse cruzamento de maneiras alternativas de produzir alimentos e a preservação de tradições gastronômicas. Apresentado pelo chef Dan Barber em um Ted Talks nem tão recente (é de 2008), conheça uma fazenda que produz foie gras de gansos felizes na Espanha:

Leia mais:

Referências:

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